EU CHEGO LÁ

Dizem que o cérebro feminino não tem capacidade para compreender coordenadas geográficas. Sou o melhor exemplar da espécie, a rainha do estrogênio.

Não tenho um resquício de senso de localização. Retorno? Só se for o básico do básico, em U. Mapa?  Tenho que virá-lo na posição em que me encontro e não adianta.

Sem qualquer traço de cerimônia, pergunto o caminho a qualquer transeunte e sempre é impossível lembrar em qual rua virar depois de atravessar o viaduto.

Como tudo tem o lado bom menos o LP do Michel Telor, venho conhecendo a fundo a cidade de cabo a rabo. Já vi um bode colorido passeando pelas ruas arbóreas de Itaquaquecetuba e cabeças de porcos sendo vendidas na feira em Caieiras. Tirei fotos espetaculares que enriquecem meus álbuns. Duvido que uma viagem pelo interior da França me proporcione experiência parecida.

A invenção do GPS foi a salvação da lavoura para mim. Assim que lançaram, comprei um a perder de vista. Na época era um produto de valor altíssimo para minha pessoa.

A engenhoca virou meu mentor. Nunca obedeci ninguém. Com ele não havia discussão, nem polêmica. Vire aqui, eu virava. Entre à direita, lá estava eu. Sem qualquer questionamento. Um exemplo de relacionamento harmônico.

E assim ganhei uma multa por entrar na contramão. Ele mandou, eu virei. Tentei explicar ao guarda, atitude em vão.

Ainda, empolgadíssima com o elemento, me aventurei pelos quatro cantos de São Paulo.

Desvendei o paradeiro das favelas mais quentes do planeta e enfrentei meus piores pavores. Para que pagar terapia? Tenha um GPS. Não dizem que a melhor forma de vencer o medo é enfrentando-o? Comprovei a teoria. Fiz duas descobertas essenciais para minha existência: sou portadora de uma coragem latente no meu íntimo e o GPS é mais sem noção que eu.

Mais esperta, aprendi a domar o infeliz. Uso com parcimônia o desgraçado, só para identificar para que região da cidade devo me encaminhar. Ainda não consigo diferenciar a Zona Norte da Sul, nem a Leste da Oeste.

Mas eu chego lá.