Educar é pagamento de promessa. Na
era do Google, nanotecnologia, ultrassom 4D, não entendo por que no parto a gente não
expele com a placenta um manual de instruções.
É item de sobrevivência criar o
filho para o mundo. Mais cedo ou mais tarde o rebento vai alçar vôo solo. Difícil
mesmo é preparar o terreno para a independência.
Minha filha de 16 anos vem pleiteando
o direito de ir e vir como bem entender. Negociações intermináveis, batidas de
porta e cara amarrada, aos poucos vem conquistando seu espaço. Aprendizado
mútuo. Deixar minha cria solta por aí não é nada fácil. Ontem ela usava fralda.
A amostra grátis de perua quis
porque quis ficar uma semana sozinha no sítio. Ela e a cachorra. A vira-lata em
questão é uma estratégia para precaução, salvá-la de algum animal feroz. Devidamente
equipada, duas malas que já seriam um exagero em uma viagem para Noruega, livros
que certamente não serão lidos, comida saudável, claro a pessoa se sente gorda
e pesa 49 quilos. Tudo nos conformes.
Deixo a criatura e a neta de
quatro patas no território isolado. Volto roendo as unhas dos pés, as das mãos
já eram. Seguro a onda, mudo de assunto, escondo o telefone e espero. Tudo
calmo. Sem pedido de socorro. Fico feliz.
Segundo dia. Tudo na mais santa
paz. Às 3h15, madrugada rolando solta, toca o telefone. Envelheço 15 anos antes
de atender.
A criatura grita:
- Mãeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee! Tem
uma aranha enorme aqui.
Respondo embriagada de sono:
- Joga SBP.
O pequeno ser retruca:
- Joguei. Ela encolheu as pernas,
mas continua andando.
Expliquei com a maior calma do
universo:
- Joga um chinelo.
O serzinho responde:
- Estou descalça.
Enfurecida digo:
- Ora, Beatriz, vá buscar o
chinelo. Onde está a aranha?
Desesperada, quase em convulsões:
- Embaixo da escada.
Acalmei a pequena e orientei:
- Então suba e amanhã você vê se
o aracnídeo faleceu.
Com voz de choro, desligou e foi
resolver a vida.
Deitou na sala com todas as luzes
acesas, a lata de inseticida na mão e a cachorra do lado. Passou a noite em
claro.
Ela precisava passar por este
perrengue. Um dos muitos que vai enfrentar na vida.
Experiência enriquecedora. Mais
forte, saberá enfrentar o mundo. Prontinha da Silva.
A primeira lição para um filho é
justamente esta – aprenda a matar sua aranha. O mundo é uma teia, meu amigo.
Na próxima vez ao invés de levar um cachorro leve um sapo (eles comem aranhas), e durma tranquila. Ou seria uma cobra, agora fiquei em dúvida...
ResponderExcluirPois é Renato, é melhor levar, sapo, cachorro, papagaio e aprender de vez como matar a aranha, barata, trabalhar, pagar conta....
ResponderExcluirTudo ao seu tempo Marot, tudo ao seu tempo...
ResponderExcluirtoda ela muito bacana - o final, genial
ResponderExcluirMuito bom o texto... reflete bem os dilemas de uma mãe de aborrecente...
ResponderExcluir"Sem pedido de socorro. Fico feliz."
ResponderExcluirFique mais feliz que o primeiro pedido de socorro é para você. Tem um significado enorme.
Uma vez um chinês me disse: "O problema é que vocês criam os filhos para vocês, nós criamos para o mundo."
Proporcionalmente as negociações intermináveis de hoje são mais difíceis do que foram as suas para os seus pais? Sem sacanagem mas nesta altura do campeonato, trabalhar, pagar contas, etc, é pegar pesado demais!
Na minha opinião, pode publicar sem medo. O mundo hoje precisa de pessoas que reescrevam o Manual de Funcionamento do Ser Humano. Você consegue isto muito bem!