sexta-feira, 17 de junho de 2011

Amigo imaginário

Algumas cenas da minha infância ainda estão vivas na memória. Lembro claramente de ficar horas a fio conversando com a comida. Os grãos, em especial, eram amigos do peito. A ervilha tinha nome, o feijão tinha família, o arroz era meu fiel companheiro, o milho era superengraçado. Talvez isso fosse uma estratégia para enrolar a minha mãe, já que comer para mim naquela época era um pagamento de promessa.

Hoje é exatamente o contrário. Eu não saboreio a comida. Engulo. Quando estou faminta é preciso apartar, parece briga de cachorro.

Será que perdi meus amigos imaginários? Descobri que não.

Todas as manhãs, quando acordo, converso comigo mesma. Sou completamente irascível nos primeiros 60 minutos após levantar, dá para entender porque converso comigo mesma, quem tiver amor à própria vida, nem me dirige a palavra nesta hora.

Me dei conta que até começar a trabalhar bato o maior papo comigo mesma. Falo do que está planejado para o meu dia, abro a janela para espiar o tempo e converso sobre a roupa que vou colocar, decido com este meu amigo se vou fazer a maquiagem perto da hora de sair ou logo depois do banho. As conversas nem sempre são tão frívolas. Tem muito papo cabeça e é justamente ai que mora o perigo – é o meu amigo imaginário ou a minha consciência?

Fui criada em uma família espírita. Estudei muitos anos a doutrina e acredito nela justamente por não ser dogmática. Afastei-me do lugar que frequentava por outros motivos que não a crença. Já passei por fases nada agradáveis e sei que  ao meu lado haviam companhias de caráter duvidoso. Realmente creio que se a gente sintoniza com algo nada legal, podemos atrair a mesma sintonia. A vida me provou isso, não foi a Mãe Diná.

Neste caso em questão, sobre a minha conversa comigo mesma eu não sinto nada de negativo. Não há nenhuma ideia martelando no meu cerebelo. Não tem ninguém cochichando no meu ouvido. Também não acho que é ilusão ou paranoia. No fundo, acredito que é o meu outro lado, nem bom nem mau, que me conhece melhor do que ninguém, que tenta me chamar a razão e me faz olhar todas as situações sob um outro ângulo.

Isto é caso para Freud? Talvez. Mas é um tanto quanto interessante.  Será que sou a única? Será que tenho salvação?

Marot Gandolfi

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