terça-feira, 17 de maio de 2011

Mico nosso de cada dia


Qual filho nunca pagou mico por causa da mãe? Todo Cristo já pagou um orangotango em algum momento da vida.
O garoto que sai como um esquimó, porque a progenitora está com frio. A filhinha que sai com um laço na cabeça do tamanho de um pavão, porque a mamis acha lindo. O beijo na porta da escola. A busca na balada, estacionando na porta, essa é infalível. Por estas e outras é que os filhos por anos a fio tem aversão aos pais.
Bati meu próprio recorde no aniversário de 14 anos da minha pimpolha. Não teve festa, apenas um petit comitê em casa. Preparei tudo com zelo. Montei um lounge, afinal a perua mirim está em plena adolescência. Seriam apenas 16 meliantes convidados. Elaborei cardápio, sem bebida alcóolica para a infelicidade de alguns indivíduos que já se acham gente, música infernal que eles curtem. Tudo como manda o figurino.

Tudo corria de vento em popa até que tive a ilustre ideia de fazer uma surpresa. Resolvi presenteá-la com um minismartphone e em entregá-lo junto com um vídeo que trazia uma poesia linda de Carlos Drummond de Andrade. É um texto magnífico que expressa todo sentimento dos pais para com os filhos mesmo antes deles nascerem. Seria perfeito se eu não tivesse inventado de passar o vídeo para todos os convidados. Jovens que não tem um pingo de sensibilidade e cerebelo completamente oco.

Meu filho mais velho me alertou – Não faça isso. Ela vai odiar. Se quiser, exiba o raio do vídeo amanhã para ela, completamente sozinha. Como meu filho é um ser desprovido de emoções, não dei a menor trela. Como sempre, segui minha intuição. E me dei mal.

Chega o dia. Todos os convidados, adolescentes rebeldes, entram no recinto. Resolvo no meio da festa entregar o presente, mas antes coloco o vídeo na TV da sala para todos assistirem. Queria demonstrar meu amor pela pequena criatura gritando aos quatro ventos através das doces palavras do inesquecível poeta.

Começa o drama. Eu com lágrimas nos olhos de emoção. Ela com lágrimas nos olhos de vergonha. A pessoa minúscula afundava no sofá numa frenética tentativa de se camuflar em meio às almofadas. Tentativa frustrada. Seus olhos grandes mais esbugalhados do que nunca a denunciavam no fundo do assento.

Eu olhava ao redor e via as expressões das amostras grátis de seres humanos. Um olhava para cima, o outro para baixo, o outro cochichava no ouvido ao lado, um outro bufava, a outra ria baixinho. Um silêncio mórbido cortava o ar com faca.

Até que no meio da poesia declamada – Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você. Tinha gente que torcia para você ser menino. Outros torciam para você ser menina.Torciam para você puxar a beleza da mãe, o bom humor do pai. Estavam torcendo para você nascer perfeito. Daí continuaram torcendo... Torceram pelo seu primeiro sorriso, pela primeira palavra , pelo primeiro passo. O seu primeiro dia de escola foi a maior torcida. E o primeiro gol, então? E, de tanto torcerem por você, você aprendeu a torcer.Começou a torcer para ganhar muitos presentes e flagrar Papai Noel... E quando os hormônios começaram a torcer, torceu pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso. ..Torceu para ser médico, músico, advogado... Mas muita gente ainda torce por você!, um convidado de 15 anos vira para meu próprio filho e diz: E a gente torce para esse suplício acabar logo.
Eu queria apenas mostrar para meu bebê que torço mais do que tudo para que ela seja feliz. E ela, naquele momento de constrangimento atroz, queria mesmo é torcer o meu pescoço.



Marot Gandolfi

3 comentários:

  1. É, a situaçao é complicada, Marozinha. Acho que nesse caso você realmente pagou um mico. Podia ter ficado sem a homenagem. Mas um dia todos naquela sala, até a Bizi, vão se lembrar e reconhecer o quão linda foi sua homenagem e talvez até sentir saudades. Eles ainda precisam amadurecer...rs

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