segunda-feira, 11 de abril de 2011
Sequestro branco
Que a bandidagem tomou conta do país não é novidade. Tem cantos que nem a polícia entra. Bairros de São Paulo, nem precisa ser em periferia, são comandados por chefes do tráfico que impõem suas leis e nenhum morador ousa infringir se tiver amor à própria vida. O nosso poder judiciário deveria fazer um benchmarking com este segmento da economia numa tentativa de acelerar os processos que caminham a passos de lesma e, quem sabe, fazer com que as leis sejam cumpridas não dando chance para os advogados encontrarem tantas brechas nos códigos civil e penal.
Uma grande amiga mora num dos bairros mais violentos da cidade. Um lugar a 20 km do centro de São Paulo sem o menor rastro de um plano diretor. Grileiros em todas as esquinas e um alvo fácil para o MST.
Lá há um mandachuva, o rei do pedaço, o todo-poderoso que comanda tudo e todos. Com suas leis inquestionáveis, barbariza e aterroriza toda a vizinhança. Detém absoluto poder e o bairro inteiro é seu refém.
Ele “pediu emprestado” o carro de um morador. O rapaz amedrontado disse – Não posso, acabei de comprá-lo, nem está no seguro ainda. O meliante – É rápido, uma corrida só. O dono do carro nega o pedido. Acreditando que o caso está encerrado, continua tocando a vida. Na semana seguinte, sem nenhuma explicação, o carro aparece queimado.
Pouco tempo depois, o mesmo rei da cocada chega para outro morador e intima – Empresta o carro aí, ô. O senhor diz – Não dá, vou usar. O todo-poderoso insiste – É só uma parada aí. Rapidinho, devolvo em menos de duas horas. O senhor recusa. Durante a noite sua garagem é incendiada e o automóvel fica intacto. Sorte? Nem tanto. Dois dias depois, por um passe de mágica, ele encontra seu carro na garagem completamente carbonizado.
Será que a reencarnação do Nero está morando no pedaço?
O caso não acaba por ai. O marginal aplica o sequestro branco na casa da minha amiga. Seu filho com o carro na porta da garagem é abordado pelo infeliz que intima – Ô meu, empresta a caranga aí, veio. O rapaz nega e fala – Ô cara não vai rolar, é da minha mãe. O mandachuva não desiste – Fala para ela que daqui duas horas eu trago, preciso dar fim numa parada ai, meu. O filho tenta negociar com o assaltante sem arma à vista e não tem outra saída a não ser emprestar, com uma condição – ele vai junto. Por que? Para proteger o carro. Volta depois de duas horas. Dá para imaginar o que esta mãe passou nestes longos e intermináveis 120 minutos?
Quando soube da história absurda, perguntei para ela – Por que ele foi junto? Ela diz- Para ter certeza do que o marginal ia fazer com o carro. Eu questionei – O carro não está no seguro? Ela responde – Sim está. Eu voltei – Então que diferença faz o que o ordinário vai fazer ou não com o veículo? Ela fica pensando. Eu continuo – Vamos imaginar que ele vá usar o carro para cometer um assalto, um assassinato, um sequestro, uma entrega de drogas. Se seu filho estiver junto em qualquer uma destas situações e a polícia pegá-los no flagra como você vai explicar que focinho de porco não é tomada? Você acredita realmente que este animal vai livrar a cara do seu filho? Ele vai na melhor das hipóteses ser o laranja da história. Ela sacou o perigo e decidiu não deixar seu rebento acompanhar o rei do pedaço. O carro continuar à disposição, afinal não foi queimado e sim preservado. É capaz ainda do dito cujo exigir que o tanque esteja cheio na próxima vez.
Isso não é muito diferente dos tomadores de conta de carro que se alastram por toda a cidade. Próximo a faculdades, teatros, shows. Os “flanelinhas” loteiam as ruas (áreas públicas) espalhando cones para deixar bem claro qual é o seu território. Se você insistir em parar ali e não pagar adiantado, se encontrar novamente seu carro ele estará detonado. Dá muito menos dor de cabeça acertar com o cara antes.
Na esquina da minha rua tem uma favela. É um contraste enorme. Prédios residenciais enormes, supermercados de primeira linha, o Palácio do Governo a poucos quilômetros e uma favela gigantesca sempre com o biombo na frente – a meia dúzia de prédios baixos, os tais Cingapura, que o governo levantou para dar condições dignas de moradia às famílias de baixa renda.
Nesta favela também tem o chefe local. Ele manda e desmanda. Ele respeita os moradores, com eles ninguém mexe. Também só faltava. Neste lugar mora também muita gente de bem, trabalhadores, estudantes, donas de casa que precisam ir e vir e têm que conviver com as leis paralelas se quiserem sobreviver.
Este dono da favela age pelo bairro. Cobra pedágio de todo o comércio da região. Uma espécie de taxa de condomínio para que o estabelecimento não seja assaltado. Mais um negócio informal da nossa tão eclética economia e muito mais rentável já que não é assolado pela carga tributária brasileira.
Vivemos uma guerra civil na nossa metrópole, só não é declarada. O sequestro branco, a coação para a vaga no estacionamento público, o pagamento para não ser assaltado são realidade e têm a conivência das autoridades bem embaixo do nosso nariz.
Eu que sou uma das criaturas mais otimistas do planeta não tenho esperança de ver isso acabado de uma vez por todas. Não sei nem se meus netos um dia presenciarão isso.
Marot Gandolfi
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