quinta-feira, 10 de março de 2011

Cartas de baralho

Há um ano, no meio de uma crise existencial, participei de um curso de baralho pessoal. Mais uma das milhões de buscas frenéticas para entender o que eu estava passando.
Lá no fundo, bem no fundo mesmo, eu queria saber se eu tinha algum poder de prever o futuro como a Mãe Diná. Quem sabe assim conseguiria escapar de roubadas e pular as dores inevitáveis da vida.
Apesar de parecer magia, não é. Descobri a duras penas que não há receita de bolo para isso, um desvio para encurtar o percurso, pular etapas, ledo engano.
Tentei pelo caminho que eu acreditei ser um mais fácil e indolor. Doce ilusão.
Não há outra saída. Só vivendo e aprendendo. Às vezes, nem vivendo se aprende.
Frequentei religiosamente as aulas por três meses. Toda quarta-feira era sagrada. Sol ou chuva, eu estava lá. A ansiedade era tanta que sempre fui a primeira a chegar com uma maçã nas mãos para a professora e o uniforme engomadinho.
No baralho pessoal as cartas são individuais. Você decide qual é sua carta da felicidade, morte, amor, amizade, sucesso, transformação, traição entre tantas outras. Para criar o baralho é preciso separar fotos, desenhar, ilustrar aquilo que realmente representa para mim. Tirando o fato de que não consigo nem desenhar uma casinha, mexer em fotos e recordar as lembranças nos faz remoer o passado que me cortou como uma navalha afiada.
O baralho só seu tem uma razão. Ao dirigir o olhar para as cartas imediatamente entende-se o significado, diferente para cada pessoa. O que é felicidade para mim, não é para o outro. O que é morte para mim, não é para o outro.
A parte mais árdua de todo o curso foi justamente procurar dentro das minhas referências o símbolo para cada sentimento. Lembrei-me de situações há muito adormecidas. Ingênua, acreditei estarem falecidas e enterradas há séculos. Estão mais vivas do que nunca, saltando, gritando aos brados dentro de mim.
Como é fácil se enganar. Como temos um talento nato para ludibriar a nós mesmos. Criar verdades absolutas que nos fazem conviver com aquilo que é impossível, com o que nos destrói e anula.
Foi uma terapia. Fiz descobertas impressionantes.
Passei mais de um mês tentando recordar de um momento de lucidez. Há uma carta só para isso. Foi uma saga, não sei o que é ser lúcida. Confundi sentimentos. Lúcida é ouvir mais a razão do que a emoção? Isso não seria abrir mão de ser feliz? Pensei tanto que chegou a doer. Matutei a ponto dos meus poucos neurônios terem a Síndrome do Vaso Vagal e desmaiarem. Até que tive um insight e percebi que eu fui extremamente lúcida na morte da minha mãe. Nunca havia sacado isso.
Não consegui desenvolver a técnica de prever o que está prestes a acontecer. Nem comigo nem com ninguém. Incompetência ou falta de esforço. Não evitei as dores e infortúnios da vida. Não abreviei nenhum sofrimento.
O que eu ganhei? Me conheci melhor, revelei para mim mesma sentimentos que eu desconhecia, descortinei verdades e mentiras escondidas.
O resultado foi positivo. Desvendei talentos e fraquezas. Alegrias e arrependimentos.Um aprendizado e tanto.
Marot Gandolfi







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