quarta-feira, 2 de março de 2011

Permissão para morrer - um ato de amor

Quem já ouviu falar na melhora da morte? Os mais antigos certamente.
Quando alguém está no limite, entre a vida e a morte, a família e os amigos entram em desespero. O que é natural, ninguém quer se afastar de quem ama. A separação é cruel. Tudo acaba ali. Alegrias, tristezas, desavenças, cumplicidade.
Chico Buarque expressa como ninguém a dor dilacerante da saudade“Oh, pedaço de mim, Oh, metade amputada de mim, Leva o que há de ti, Que a saudade dói latejada, É assim como uma fisgada, No membro que já perdi”.Tenho uma forte convicção de que a pessoa em seu leito de morte espera por um consentimento para partir. Aguarda um aval, pode ir, já está na sua hora.
Pactos são fechados antes da morte. Precisam ser cumpridos.
Minha mãe teve um enfarte em plena festa, dançando. Entrou em coma.
Sempre fui patife. Odeio hospitais, pronto-socorro e de UTIs fujo como o diabo foge da cruz.
Naquele dia, foi diferente. Algo inexplicável aconteceu. No dia seguinte do enfarte, surpreendemente, decidi na porta da UTI que eu iria entrar. Vi minha mãe e percebi, que mesmo inconsciente, sofria, suas mãos estavam retorcidas, entubada, seu rosto transmitia pura aflição. Ficou claro para mim que eu não tinha o menor direito de pedir para que ela ficasse. Tudo que vivi com ela passou em minha mente, 32 anos em 5 segundos. As coisas boas e as não tão boas. Respirei fundo e fui tomada por uma lucidez nunca sentida antes.
Encostei perto de seu rosto e em seu ouvido, sussurrei “Mãe, você está sofrendo. Não quero ver você assim, ninguém no mundo merece isso, muito menos você. Fique certa que você cumpriu direitinho sua missão. Pode deixar que cuido de tudo, do papai, do Felipe e da Tia Apparecida” (a irmã mais velha dela que sofria de Alzheimer). Nesta hora que eu jamais vou esquecer, escorreram lágrimas dos olhos dela. Choramos muito, nos despedimos.
Sai da UTI arrasada, mas certa de ter tomado a atitude mais generosa possível com ela.
Apenas duas horas depois, ela se foi.
Confesso que quando recebi a notícia, eu tremi. Um frio percorreu por todo o meu corpo. Senti a dor física de um soco no estômago. Por mais forte e lúcida que eu estivesse naquele momento, foi a minha mãe que se foi e eu deixei.
Passados tantos anos, ainda acredito que tomei a melhor decisão. E cumpri o que prometi.
O tempo é um santo remédio, mas não cura a dor de uma saudade.
Eu sou um pedaço dela e sempre serei.
Marot Gandolfi









Um comentário:

  1. Que lindo relato, lendo seus textos percebo que você é uma pessoa muito intensa, parece viver 100% os momentos mais difíceis e os mais triviais da vida, deve ser por isso que consegue passar tanta emoção nos seus textos. Beijos

    ResponderExcluir