segunda-feira, 21 de março de 2011

Palito de dente na saída

Reconheço que tenho um péssimo hábito há milênios. No dia-a-dia não sei comer pausadamente e nem saborear a refeição. Me atraco com a comida como se estivesse num ringue de vale tudo. Ou eu ou ela. Vivo correndo alucinadamente, sempre tirando o pai da forca. Paciência não é meu forte. Deve ser o último item da escala.
Quando a fome aperta a situação se agrava e muito. Meu humor é irrascível. Tenho paúra de pegar fila. Evito a qualquer custo qualquer lugar que tenha que esperar horas a fio. Preciso querer muito, mas muito mesmo alguma coisa para me sujeitar a entrar numa fila indiana. Se for para comer, nem pensar. Não fico nem amarrada. Ao me deparar na entrada de um restaurante com um amontoado de gente que se procria à medida que o tempo vai passando não fico nem para salvar a vida de alguém. Há tanta opção para comer em São Paulo, me recuso a fazer um programa de índio, mesmo tendo tacape, cocar, arco e flecha no porta-malas do carro. Uso com mais frequência do que gostaria.
Para chocar os paladares mais refinados, confesso que considero a comida por quilo a invenção do século. Para meu esquema frenético de ser, cai como uma luva. Entro, me sirvo somente daquilo que eu quero, engulo a comida, pago e vou embora para Passárgada. Nem Fast Food eu aguento mais. Pegar senha para ser chamada, já basta quando vou fazer exames nos laboratórios, em jejum, tentando subornar alguém por um biscoitinho e um café.
Não sou somente eu que me alimento como um peru em véspera de Natal. Comer rapidamente virou uma epidemia. Basta ver as praças de alimentação dos shoppings. Ninguém esquenta a cadeira. Se inventasse um comprimido para o arroz, outro para o feijão, um para a carne e outro para os legumes, o comércio de alimentos estaria muito mais rico do que já está.
Tenho um amigo também jornalista que no quesito velocidade em comer, dispara longe de mim. Jamais poderia participar de um rally gastronômico de regularidade.
Além de ser um Schumaker na degustação, o danado é guloso. Nem vê o que está comendo. “É para comer? Manda um ai".
Num coquetel, esta criatura se empanturrou de salgadinhos. Fritos, assados, crus. O que pintasse na rede era peixe.
Amanheceu com uma dor aguda no abdômen. Foi levado às pressas para o pronto-socorro. Apendicite, pedra no rim, diverticulite? Ninguém sabia. O cara estava muito mal. Uivava como um lobo em noite de lua cheia.
Chegamos ao hospital para dar uma força e encontramos sua esposa às gargalhadas. Eu nem imaginava que o casamento ia mal. Fiquei assustada com o comportamento maquiavélico da adorável cônjuge.
Ela tentava desesperadamente pegar um fôlego, mas não conseguia. Tudo bem tem gente que sofre de riso nervoso diante de grandes traumas, mas aquilo já era demais. Depois de alguns minutos tentando controlar sua risada frenética,  já querendo bater em sua cara tamanho o desaforo com o marido doente, ela diz – Sabe o que ele tem? Palito. Eu digo: Como assim? Que doença é essa Palito? Ela não aguenta, ri de novo e explica – Ele comeu uma coxinha e não viu o palito. O dito cujo ficou atravessado na horizontal na saída, entende?
O infeliz com o palito lá no fiofó foi para a cirurgia, tomou anestesia geral e o que é muito mais desastroso, teve que aguentar todas as provocações e a tiração de sarro.
Nem o médico conseguia falar com ele sem chorar de rir. Não dava nem para acusar o doutor de antiético. Ninguém se controlava.
Os mentecaptos no escritório tiveram a sacada de comprar caixas e caixas de palitos Gina para decorar sua sala. De aniversário, por anos, ele ganhou caixinhas Gina.
Passaram-se 20 anos e ninguém esquece do ocorrido, para desgraça deste ser. Um episódio surreal.
Nem assim aprendi a comer que nem gente normal.
Marot Gandolfi








2 comentários:

  1. Delícia de texto, Marot. Parabéns! Fiquei curiosa: o caso é real? bjs San

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  2. San, você acredita? É real sim!!! Só lembrei do episódio porque na 2a feira quase tomei um suco com uma tachinha!!! rsrs bjs

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