sexta-feira, 4 de março de 2011

O senhor da balinha

O prédio onde moro tem algo muito especial. Nada a ver com arquitetura, sala de fitness, salão gourmet, lounge, lan house. É antigo, quase 30 anos. Algo peculiar me faz sentir em família. Os moradores.
É um prédio atípico. As pessoas se conhecem pelos nomes. Nas curtas ou longas viagens pelo elevador, os vizinhos compartilham suas alegrias e também tristezas.
Dos mais tímidos aos mais falantes, me encaixo na última categoria, todos seguram a porta do elevador, mesmo que o vizinho pare em uma vaga distante.
É um banho de educação, respeito e civilidade.
Hoje é um dia triste para todos nós.
O Sr. Antonio se foi. Uma figura querida. Adorava ópera. Todos sabiam que estava chegando. Ao entrar na garagem dava para ouvir a ária no último volume. Manobrava o carro, estacionava, desligava o motor, mas esperava a música acabar.
Sempre alegre, carregava em seus bolsos, várias balinhas. Nenhuma criança no prédio deixou de ganhar uma só balinha do Sr. Antonio. Moro aqui há 13 anos. Minha filha de 14 anos ganhou balinha até ontem.
Não havia uma única pessoa que não estivesse comovida ao ver sua esposa, uma das pessoas mais "gracinha" que conheço, desolada ao lado do caixão. Eu queria colocá-la no colo. A tristeza estava escancarada em sua feição. Nada diferente dos filhos e netos. Os adolescentes que cresceram com os avós participando do seu dia-a-dia, levando-os para escola, inglês, natação, enfrentaram pela primeira vez a perda de alguém tão próximo. Estavam inconsoláveis. Cortava o coração.
Percebi que esta senhora hoje arrasada, tem motivos para se alegrar. Ela viveu quase meio século ao lado do grande amor da sua vida. Eram muito mais do que marido e mulher. Eternos namorados. Quem hoje em dia pode se dar ao luxo de viver assim? É para raros. Eles são exceção. Uma feliz e emocionante exceção.
Voltar para casa hoje foi profundamente triste. Ver seu carro parado sem o som da ópera não teve graça nenhuma.
A vida sem o Sr. Antonio ficará menos doce, sem a balinha, sem sua alegria e sem sua ternura.
Marot Gandolfi









2 comentários:

  1. querida Marot! Parece que até que eu tbm conhecia o Sr. Antonio, tanta emoção brotou no meu coração... Acho que por causa da ópera, acho que por causa das crianças, acho que por causa da vida bem vivida... não sei. Mas sei que foi por causa das suas palavras. É bom. Mesmo triste, é bom sentir essas coisas...
    Lilis

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  2. Lillis,

    Vai ficar um vazio aqui. Ele é muito querido e sempre vai ser. Muito mais que a balinha, a ópera, era a alegria e cordialidade,tão em falta nos dias de hoje, que sempre fará falta.

    bjs

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