segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Reze para ter caspa na unha

Deveria ser lei, todo mundo tem que ter um médico e um advogado na família. Fatalmente, em algum momento todos os seres humanos vão precisar de um ou de outro, muitas vezes, de ambos.
Neste fim de semana vivi uma aventura surreal. Minha filha teve uma cólica de rim. Cólica de gente grande. Ela se contorcia de dor, suava gelado, não abria as mãos e nem mexia as pernas. Corri mais que o Airton Senna em Monza para chegar ao Pronto-Socorro.
O próprio segurança sacou que o estado dela não era dos melhores e avisou a "mocinha" do cadastro para passar na frente, o caso era urgente.
A belezura que segue todos os protocolos, não tem discernimento algum e nem se esforça para ter, não levou a sério o aviso do segurança. Após atender outras pessoas, resolveu começar o processo burocrático. Expliquei com paciência de um monge tibetano que eu assinaria tudo que ela precisasse depois que minha filha fosse atendida. Ela fez que não ouviu, começou a preencher o cadastro a passo de lesma e iniciou o interrogatório - meu nome completo, o nome da minha filha, endereço, telefone, profissão, estado civil, quando dei o primeiro beijo.
Que diferença faz se eu sou jornalista, costureira, maníaca, esquartejadora profissional? E quanto ao estado civil - casada, divorciada, solteira feliz, solteira infeliz, a procura de um amante, tico tico no fubá, ficante? Pelo amor de Deus, minha filha está mal.
Depois de preencher tudo de forma lenta e irritante, ela me diz – Vixi, não é aqui. Sua filha tem 14 anos, é no Pronto Socorro Infantil. Não deu tempo para pular no pescoço da criatura, sai correndo empurrando a cadeira de rodas e por muito pouco minha pequena não fraturou as duas pernas.
Após alguns minutos que pareciam horas, cheguei ao cadastro do PS Infantil. Começou outro dilema. Por sorte, a enfermeira da triagem sacou que o atendimento deveria ser feito naquele exato momento.
Pronto, a novela acabou. Que nada, nem tinha começado.
Ela foi atendida por um médico que imediatamente aplicou um coquetel de medicamentos para aliviar a dor e conter a ânsia de vômito. Eu já tinha uma ideia do que estava acontecendo. Vi este filme várias vezes. Todos os sintomas de pedra no rim querendo sair enlouquecidamente da bexiga, uretra, ureter. É similar a saída do povo de um clássico São Paulo X Santos no Morumbi dentro do abdômen.
Como o exame de sangue não deu nada, ela ficou em observação. Mesmo não sendo da área de saúde, mas com o mínimo de noção, expliquei para o "doutor" que todos em nossa família tinham cálculos renais. Meu pai, eu, meu filho. Deveria ser obrigatório por lei que os filhos herdassem apenas imóveis, dinheiro, olhos azuis. Como é impossível ficar muda e de braços cruzados, arrisquei a palpitar - Não seria interessante fazer um ultrassom? Ele disse que ia pensar. Seis horas depois, ele pensou, nem loiro o infeliz era, e resolveu fazer. Bingo! Uma pedra no rim esquerdo, múltiplas no rim direito e uma no ureter. Confirmou-se o que eu, uma reles jornalista, já sabia.
A novela começou a bombar a partir deste momento. Foi solicitada a internação, ela precisava de uma cirurgia. O convênio começou a embaçar. Perdi a conta de quantas vezes liguei para o SAC, não posso escrever a sigla correta do que eu penso do SAC. Estavam sem sistema e nada poderiam fazer.
22 horas sem o menor retorno, ela ocupando um leito no PS que poderia ter sido usado por outras crianças e sem comer devido à anestesia geral que iria tomar sabe-se lá quando. Eu parecia uma barata tonta, indo da internação para o PS e no meio do caminho ligando para o convênio. Como tudo tem o lado bom menos o LP do Wando, agradeci a Deus por ser uma pedra no rim. Se fosse infarto ou AVC, ela teria embarcado para a cidade eterna e não era Roma.
Após o suplício interminável, 23 horas depois, fomos para um quarto. Ela entrou em cirurgia e correu tudo bem. Eu me perguntei durante todas aquelas horas da noite, madrugada e manhã no PS, me entupindo de café, se isso aconteceria se eu tivesse um médico na família. Há um código de ética na área médica em que colegas atendem e fazem de tudo para colaborar numa situação similar.
Ética! Nunca vi tanta falta de ética como neste episódio.
Nós, simples mortais, desembolsamos uma grana preta para pagar um convênio particular decente. Aquele tipo de investimento que nunca queremos usar, mas se for preciso não dá para não ter.
O que move estes convênios e hospitais é só o dinheiro.  Neste episódio, fora a falta de respeito ao cliente/paciente/consumidor, há a total falta de noção de gestão. Todo mundo perdeu. O convênio que relutou por 22 horas, vai ter que pagar ao hospital. O hospital ocupou um leito por 22 horas sem necessidade deixou de atender várias crianças doentes. E minha filha ficou uma eternidade com dor e desconforto, e o caso poderia ter sido resolvido em poucas horas.
E eu ainda tenho que me sentir grata. Se dependesse da saúde pública, certamente a novela teria se transformado em um filme de terror da pior categoria.
Por mais incoerente que possa parecer, o Brasil é superbem cotado no exterior neste quesito. Temos os melhores médicos do mundo e hospitais de excelência internacional. Estrangeiros de todas as partes desembarcam em terras tupiniquins para resolver os casos mais escabrosos. Disponível somente para quem tem muito din din.
A solução não é pagar convênio nem seguro saúde. O lance agora é rezar muito para não ficar doente e de preferência que não seja pedra no rim. Segundo o hospital e o convênio, este procedimento tem um custo muito alto, logo a aprovação é demorada.
Na próxima vez, que eu espero que não ocorra, vou torcer para ter caspa na unha.

Marot Gandolfi

2 comentários:

  1. Infelizmente tenho que concordar c/ vc.Pena é que não há esperança de que isso mude.Há anos a saúde e a educação contituem-se em problemas secundários para o poder público e servem de trampolim para o poder privado.

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  2. Lamentavel, já passei por situação parecida, é sufocante ver sua filha sofrendo e só depois de toda burocracia aprovada é que iniciam os procedimentos de emergencia.
    Beth

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