domingo, 13 de fevereiro de 2011

Conselho de mãe

Minha mãe teria 82 anos. Não consigo imaginá-la com esta idade. Ela era uma comédia. Uma daquelas pessoas que faz a diferença num ambiente. Colecionou uma série de afetos e desafetos ao longo da vida. A maioria dizia que minha mãe era a alegria em forma de gente. Outros a achavam inconveniente.
Não tinha muito estudo, sempre foi safada. Fugia da escola como o diabo foge da cruz. Minha avó, que não conheci, mas pelas histórias que escutei era outra figura hilária, referia-se a minha mãe como “esta menina é uma danada”.
Casou-se aos 22 anos com o grande amor da sua vida, com quem ficou por quase 50 anos, e nem assim sossegou o facho.
Em sua ingenuidade por um lado e sabedoria pelo outro, tudo o que fazia para as filhas era extremo. Não media esforços. Cuidava de mim e da minha irmã com amor e carinho. Sempre íamos impecáveis para escola, para as festas, usávamos fitas no cabelo sempre engomadas, tirávamos excelentes notas. Aí de alguém se mexesse conosco. Ela mostrava que era do signo de leão.
Educou-nos da melhor forma que sabia, nos passou algumas teorias, algumas surreais, outras procedem.  Várias não consegui comprovar e, em alguns casos, sequer entender.
Levei  40 anos para conseguir chegar a minha própria conclusão sobre alguns destes “ensinamentos”. Até os 80, descobrirei sobre outros.
Quando uma mulher deve ao Diogo, ela é amarga. Tome cuidado.
Tradução: Quando uma mulher é feia, ela é recalcada. Se você for bonita, redobre o cuidado.
Conclusão: Quem é o Diogo? Não tenho a menor ideia. Nas minhas idas e vindas, percebi que não são as mulheres feias que são amargas. São aquelas que não têm charme, brilho, muito menos  bom humor. Estas sim são o perigo. Colocam todos para baixo, têm sempre uma crítica afiada na ponta da língua sobre todo e qualquer assunto, jamais elogiam quem quer que seja, exceto suas próprias criações, seus próprios filhos, seu trabalho. Só elas estão certas. Isso não tem a ver necessariamente com a beleza física. Conheço uma mulher linda. De uma beleza irritante. Aos 45 anos tem um corpo que muita menina de 20 mataria pai e mãe para ter. Uma pele sedosa, olhos claros, cabelos volumosos, nem escuros, nem claros, na medida certa. Vejo seu sorriso apenas em fotos. Como é fotogênica a criatura. Mesmo com tudo isso, a infeliz não consegue, nem sei se tenta, esboçar uma frase que não seja uma reclamação, uma crítica destrutiva, um comentário pernicioso. Esta sim deve ao Diogo, ao Fernando, ao Sergio, à metade da torcida do Corinthians e a mim. Ela é um porre, um porre lindo, mas um porre.
Moral da história : minha mãe não estava tão certa.
Tome cuidado com mulheres que falam baixinho, mansinho, tipo “nhe nhe nhe”. São lobos em pele de cordeiro.
Conclusão:  Levei boa parte da minha vida me afastando de mulheres que falam delicadamente, quase sussurrando, como se isso fosse um risco potencial a minha existência.
Moral da história:  Gente falsa fala mansinho ou grosseiramente. Suavemente ou incisivamente. Isso é uma praga diabólica como o ebola ou a gripe suína. As mulheres que falam tipo “nhe nhe nhe” não necessariamente são lobos que vão arreganhar os dentes em algum momento. Podem simplesmente ser educadas, gentis, tímidas e fofas, como diz minha filha.
Se um homem passar a mão em seus seios, sua batata da perna vai cair.
Conclusão: Passei minha adolescência evitando que isso acontecesse. Não era um grande esforço, já que meus pais não me deixavam sair. Quando me deixaram namorar, não teve jeito. Meus hormônios entraram em ebulição. Deixei o dito cujo avançar o sinal e a minha batata da perna, para minha surpresa, não caiu.
Resultado: portão que passa boi passa boiada. Passar a mão nos seios abra a porteira.
Moral da história:  A batata da perna não cai se algum homem passar as mãos nos seios de uma mulher. O que cai é sua auto-estima ao entregar seu coração a quem não fez por merecer.
Fulana é boca de caçarola.
Significado: Fulana não consegue ficar de bico calado. Não conte seus segredos.
Conclusão: Ela tinha razão. Mulheres “boca de caçarola” são um perigo. Às vezes, nem são tão falantes, mas simplesmente não conseguem guardar um segredo e precisam contar desesperadamente algo secreto que não lhes pertence.
Notícia ruim corre rápido.
Conclusão: Minha mãe estava certíssima. Não sei qual o dispositivo que é acionado para que o povo não consiga simplesmente ficar de bico fechado ao ouvir uma desgraça. O assunto vira a notícia principal em todas as ocasiões. Ninguém comenta que fulano passou de ano, mas se ele repetir, coitado, será assunto para mais de 6 meses.
Moral da história: o ser humano está num baixo estágio de evolução ainda. O êxito alheio incomoda. A derrota do outro é um trunfo. Divulgando-a, ninguém percebe o quanto é pequeno, mesquinho e vulnerável.
Há muitas outras pérolas que minha mãe compartilhou conosco. Em outra ocasião, farei um novo levantamento. Brigávamos que nem cão e gato, mas aprendi barbaridades com ela.
Obrigada, mãe, por tornar minha vida muito mais divertida.

Marot Gandolfi

Nenhum comentário:

Postar um comentário