domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ir ao cabeleireiro deixou de ser obrigação

Sou vaidosa sim. Vou à minucure todas as semanas, faça sol ou faça chuva, desde os 15 anos. Isso faz um século, diga-se de passagem.
Entro em parafuso se a raiz do meu cabelo está por fazer. Fora a cor que contrasta com o restante da crina capilar, os milhares de fios brancos que insistem em surgir, me fazem entrar em desespero. Não por denunciarem minha idade, lido bem com isso, mas por escancararem o meu desleixo.
Por conta deste TOC que tenho e assumo, frequento semanalmente um cabeleireiro. Já passei por vários, uma saga e tanto. Apesar da minha neura, não curto muito estes lugares. As mulheres são esnobes, os funcionários quando estrelas vivem puxando o saco. Opto pelo meu momento Caras de ser e folheio a revista, com uma rapidez desenfreada, não tenho a menor paciência de ler. Desconheço a maioria das “celebridades” estampadas nas páginas. As dificuldades de acesso que São Paulo nos proporciona, há um ano escolhi um salão próximo a minha casa. Pela primeira vez, não foi indicação de nenhuma amiga perua. Fui com a cara e com a coragem. Me dei bem. Encontrei uma agulha no palheiro. No meu minúsculo bairro, há 25 salões de beleza e nenhum batendo lata. A decisão estratégica de abrir um cabeleireiro deve ser levar em conta a quantidade de peruas por metro quadrado.
Toda vez que chego é uma festa. Nada a ver com subserviência. É simpatia mesmo.
Começa pelo manobrista, sempre muito gentil que encara um perrengue homérico dia a após dia. As peruas param os carros de qualquer jeito, numa rua megaestreita e para ajudar duas mãos. Muitas vezes embaixo de chuva. Nem assim não perde o rebolado.
As manicures, depiladoras, cabeleireiras, assistentes, a moça que cuida da organização e limpeza e a proprietária tem uma vibe prá lá de positiva.
Não faço mais terapia há um ano, por motivos alheios a minha vontade (din din), mas entro numa sessão semanal com esta turma.
São divertidas e solidárias. No ano passado, um terrível incêndio devastou uma favela da região. Mais de 1000 famílias perderam tudo o que tinham. Eu vi tudo da janela do meu escritório e foi chocante. Uma sensão de impotência diante do espetáculo de horror. Fiquei matutando como poderia ajudar. Coincidentemente, algumas horas depois fui fazer as unhas. Todas estavam passadas. Não dá para ficar imune à dor alheia. Duas das manicures tomaram a frente do mutirão para arrecadar alimentos não perecíveis, colchões e roupas. Conseguiram lugar para acolher alguns dos desabrigados. Eu que também não consigo ficar de braços cruzados, tenho uma espécie de comichão, fiz campanha no prédio, com amigos, família e no trabalho.
Em três dias, a arrecadação foi tão grande que não havia mais espaço para armazenar nadinha.
Em minhas conversas semanais no salão desopilo meu fígado. A Verena é uma moça calma, sorridente e que não tem uma vida fácil. Dois filhos para criar. Dívidas para pagar. Mora onde Judas perdeu as unhas, porque as meias e as botas, perdeu bem antes. Não reclama, tira tudo de letra. A única fase que aprendeu a falar recentemente e que faz meu estômago retorcer de tanto rir é “Tenho vivido, mas tenho sofrido”. Pronuncia isso toda semana as gargalhadas.
A Marisa é uma figura excepcional. Perua até o último final de cabelo, nunca a vi despenteada. É minúscula, mas seu topete é tão grande que dá para avistá-la de qualquer canto do salão. Suas roupas e bijouterias extravagantes também colaboram com isso, mas tudo com muita elegância. Mais da metade do que fala é pura abobrinha, mas besteira sadia, hilariante. Também não tem uma vida nada fácil. Mora longe, tem uma linda filha de 11 anos e, como a maioria das mulheres, se vira nos 30. Nunca ouvi dela um comentário depressivo.
A Silvia é má companhia, no bom sentido. Está dando a volta por cima depois de um relacionamento difícil, doloroso. Raçuda. Charmosa, bem resolvida, com um corpo de dar inveja à Gisele Bundchen vai à luta e se ama em primeiro lugar. Divide suas tristezas e aventuras com as amigas clientes e confesso que dá uma certa coceira de viver isso também.
A equipe inteira tem a mesma vibração. A Fran, companheira de balada da Silvia e uma perigosa conselheira. A Wania, mãe da Maria Eduarda e do pequeno João Pedro é a meiguice em pessoa, a Regina que tem dois adolescentes e compartilhamos seus perrengues já que temos muito em comum, a Patricia que tem uma pequeninha com as bochechas mais apetitosas do mundo, a Mari que é superquietinha, tenta, mas não consegue não rir quando ouve nossas asneiras, a Claudia, que apesar de me submeter a uma dor insuportável ao limpar minhas sobrancelhas é superdivertida e tenta ser carinhosa ao extrair meus pelos.
Para piorar a situação, agora há uma loja bárbara, imperdível, dentro do recinto. A proprietária é a miss simpatia, além de ser uma libanesa linda. Tem um bom gosto danado, que raiva. Não consigo sair de lá sem comprar alguma coisa. É uma perdição.
Ir ao salão deixou de ser uma obrigação, virou uma diversão.
Marot Gandolfi







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