Se há uma coisa que me tira do sério de verdade e me faz rodar a baiana seja onde for, é qualquer tipo de preconceito, seja distinção de cor, raça, religião, condição social, aparência física.
Hoje li no post de um amigo no Facebook que quatro tradicionais clubes de São Paulo, que tem em seu quadro associativo a “nata da cidade” obrigam babás e cuidadores a se vestirem de branco e com sapatos fechados.
Algumas destas associações não permitem a entrada destes prestadores de serviço se estiverem calçando sandálias, mesmo neste calor senegalesco.
Esta norma é aplicada levando em consideração a solicitação de uma parte dos sócios (imagino que de uma grande parte) que não querem se misturar. Em alguns destes clubes, é vedada a entrada de babás e cuidadores no restaurante. O acesso só é liberado no restaurante infantil.
Imaginem as seguintes situações. Um senhor de idade, com dificuldade de locomoção, deve sentar em um cadeirão e ficar escutando a gritaria normal de crianças, porque ele precisa estar acompanhado de um cuidador? Os pais que estiverem com os filhos e a babá junto, o que é feito? A família entra no restaurante e ela fica do lado de fora?
Eu concordo que os não-sócios devem portar uma credencial diferenciada e não podem usufruir dos benefícios do clube como esportes, massagens, cabeleireiro. Mas isto deve ser aplicado também para convidados dos sócios, não só para as babás e cuidadores. É uma questão de organização e não discriminação. O velho bom senso.
Mas definir a cor da roupa que os prestadores de serviços dos sócios devem usar é, na melhor das hipóteses, abuso de poder.
Eu tive uma ajudante para cuidar da minha filha por alguns anos. Sempre trabalhei fora e não tive outra alternativa para levá-la às atividades extras: natação, balé e inglês. Esta moça foi meu braço direito, esquerdo e muitas vezes ambas as pernas.
Nunca exigi uniforme. Ela nunca fez questão.
Ela não dormia em minha casa e nunca trabalhou aos finais de semana.
Nunca suportei a ideia de passar uma procuração, seja lá para quem for, para cuidar dos meus filhos quando eu estiver presente. Confio no meu taco.
Nunca impus para a moça que me ajuda com os afazeres domésticos, de quem eu gosto muito e por quem eu tenho profundo respeito, que usasse uniforme. No começo, perguntei para se ela preferia usar um uniforme para não estragar suas roupas e deixei muito claro que para mim isso era uma besteira, que eu não gostaria. Ela confessou – Eu também não gosto e se a senhora permitir, prefiro não usar.Eu sei que sou exceção neste quesito e nem quero impor a minha verdade como sendo absoluta. Para mim é, mas não tem que ser para os outros.
Mas ninguém pode negar que é um rótulo. É como uma letra escarlate tatuada na testa.
Não sou contra uniformes. No chão de fábrica eles precisam ser usados até por uma questão de segurança. O risco de um operário prender uma manga em um torno mecânico é gigantesco. Sem falar nos produtos que eles manuseiam que podem estragar qualquer tecido.
Recepções de prédios, consultórios, hospitais mantém uma padronização, sem dúvida. Em lojas, facilita aos consumidores identificarem quem são os vendedores. Na escola é um fator fundamental, principalmente no ensino médio, quando os pequenos meliantes saem para almoçar. Os seguranças conseguem ver de longe aonde as criaturas se amoitam e as trazem de volta, às vezes, pela coleira para a sala de aula.
Estes sócios que exigem esta diferenciação são bem parciais. Por que só as babás e cuidadores devem se vestir de branco e com sapatos fechados?
Analisem comigo:
- os carecas deveriam usar verde
- os cabeludos poderiam usar amarelo
- os baixinhos, marrom
- os altos, vermelho
- os milionários, ouro
- os falidos, cinza
- as peruas, pink
- as elegantes, bege
- as solteiras, preto
- as casadas, mostarda
- as divorciadas, azul celeste
Ainda bem que existe a escala Pantone de cores!
Isso sem falar nos indivíduos que se encaixam em mais de uma categoria. Como fica o baixinho, casado, falido?
Quem dá o poder de decisão para estas pessoas exigirem o cumprimento de uma norma desta origem? Quem pensam que são? Vão ao banheiro como todo mundo, envelhecerão como toda a população e, provavelmente, em seu leito de morte (claro, eles também vão morrer) não haverá ninguém para segurar a alça do seu caixão.
Muitos destes sócios são de família “tradicional”, a maioria falida, vale lembrar que o dinheiro mudou de mãos, mas mesmo assim não descem do salto. Continuam a usar seu suéter Ballantines comprado nos anos 50 na Europa, seus sapatos de couro alemão e carregam como um troféu seu Patek Phillip no braço que ainda não foi para a Caixa, o resto já foi penhorado há muito tempo. São estas as pessoas que não querem se misturar? Eu é que não quero fazer parte disso.
Ora, faça-me um favor! Isso é soberba, prepotência, arrogância.
Um clube que se preze deveria ser contrário a este tipo de imposição.
Ser chique é ser respeitoso. Ser chique é entender as diferenças. Ser chique é ser honesto. Ser chique é ter educação.
O resto é puro preconceito, inadmissível no século XXI.
Marot Gandolfi
Viva a nossa herança escravocrata, que ainda vive nessas babás 24h que trabalham até quando a mãe está presente, nas empregadas que dormem na senz..., ops, quarto dos fundos e dão expediente das 6 às 23h, todas ganhando salário mínimo enquanto a família troca de carro de 6 em 6 meses. Ainda falta muito para a gente viver numa sociedade realmente igualitária, e essas histórias de apartheid velado deixam isso muito claro. :(
ResponderExcluirEu fico meio dividido quanto a preconceito no Brasil. Pq a classe média e a alta são hostilizada muitas vezes como se fosse crime nesse pais ter dinheiro, ganho com trabalho, capacidade, gerando emprego e impostos, Usam argumentos para agradar ao menos favorecidos que ganham dos políticos todos os privilegios, fazendo com que se tornem vagabundos sustentados pelo estado. Vc já viu algum favelado ser processado por crime ambiental?
ResponderExcluirInfelizmente no Brasil o que funciona são dois pesos e duas medidas.
ResponderExcluirAcho um absurdo o bolsa família. O que deveria ser proporcionado não só para a classe menos favorecida, mas para a classe média e alta em função da carga tributária com a qual somos massacrados é educação e saúde em primeiro lugar.
Esta não foi a minha intenção ao redigir esta crônica. Quis verbalizar meu desabafo e registrar minha indignação a qualquer forma de preconceito inadmissível em pleno século XXI.
Você me deu uma boa idéia para uma próxima crônica.
O que o governo deve fazer é velho e bom ditado - não dê o peixe, mas ensine a pescar.
Obrigada pelo comentário.
Marot