quinta-feira, 14 de abril de 2011
Quando mesmo envelhecemos?
Não tenho nenhum tipo de encanação com idade. Não consigo me achar velha. Claro que tenho espelho. Espalhados pela casa insistem em denunciar uma nova ruga a cada dia. Sei que mudei fisicamente, a lei da gravidade é implacável, mas levo numa boa. Me aceito muito mais agora do que quando tinha 20 ou 30 anos. O meu jeito de ver a vida e minha vontade de descobrir milhões de coisas novas continuam latentes, pulsantes e me fazem pinicar da cama todo santo dia. Os sonhos dos 20 anos não existem mais, deram lugar a novos sonhos. Fizeram um up grade.
Antes eu me incomodava quando chamada de senhora. Me soa como um gesto de subserviência que abomino com todas as minhas forças. Os amigos do meu filho têm quase 30 anos e me chamam de tia. Eu simplesmente adoro. Conheço a maior parte deles há mais de 10 anos, eu os vi crescer. Sou tia sim e com um baita orgulho. Pareço uma pomba. Este posto ninguém tira de mim.
Já desisti de explicar em farmácias, supermercados, consultórios até em centros de umbanda que ninguém precisa me chamar de senhora, muito menos de dona. É uma luta em vão. Desisti, joguei a toalha, soou o gongo. Agora aceito de bom grado, dou um sorriso e bola pra frente que atrás vem gente.
Meu filho vai ao Rock in Rio. O ingresso por si só já é um show. Entregue em casa numa caixa espetacular com um encarte relembrando as edições anteriores. Bateu uma nostalgia. Ele vai assistir Red Hot Chilli Peppers. Quando soube, surtei. Quero ir também. Ele vira: Nem por sonho. São 200.000 pessoas e eu não vou cuidar de você. Eu despenquei: Como assim, cara pálida? Desde quando você cuida de mim. Não preciso que ninguém cuide de mim, ora bolas. Ele diz: Mãe, não é isso, mas o Rock in Rio não é o show do Paul McCartney. É muita moçada, vários dias, rola de tudo, o povo dorme por lá, é tipo Woodstock. Eu viro: Meu amigo, só para seu PSC, eu fui ao Hollywood Rock e assisti aos shows me equilibrando no muro da arquibancada do Morumbi. Não sei até hoje como não cai de lá. Ele resmunga: Quantos anos você tinha? Eu me calei. Caiu minha ficha. Eu envelheci.
Por mais que eu não perceba que a idade está chegando a passos generosos, que estou a 4 anos e meio de completar meio século, não me sinto velha. Tinha a ideia de que ter mais de 40 era a total decrepitude, a famigerada meia idade. Hoje para mim é velho quem tem 20 anos a mais que eu e ponto.
A velhice é cruel, mas o espírito nunca envelhece. Tem gente que já nasce velho, pensa como velho, se veste como velho, age como velho. Duro mesmo é o corpo não responder mais aos impulsos. Depender de quem quer que seja para as coisas mais banais da vida. Os outros é que consideram a gente como decrépito.
Meu sogro aos 84 anos é um homem divertido, lúcido e sempre está de bom humor. Ele usa uma expressão perfeita para isso: Quando a gente fica velho é o último que fala e o primeiro que apanha.
Foi um homem ativo até os 80 anos. Percorria todos os dias 18 km para ir ao trabalho e mais 18 km para voltar. Nesta mesma época teve um câncer e fez mais de 40 sessões de radioterapia. Dirigia para o Hospital e depois rumava direto para o trabalho. Foi aposentando compulsoriamente. Um crime. Arrancaram dele o único motivo para picar a mula da cama todas as manhãs, madrugadas – ele saia às 5h da matina, não admitia se atrasar nem um só segundo. Ele reclama? Que nada. Continua com o mesmo astral. Não se sente velho. O mundo grita todos os dias para ele que o tempo passou. Ele não vê. A cabeça funciona perfeitamente, muito melhor do que as mentes de muitos homens de 40, 50, 60, 70 anos.
A velhice é isso. Quando o corpo não acompanha a mente e quando o mundo decide que você ficou velho. Só você sabe que não é verdade. Você ainda é uma pessoa que pensa, que sente e que ainda sonha.
Marot Gandolfi
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