terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Diário do Mochilão de uma Quarentona em Roma

Descrevo aqui os primeiros quatro dias de uma viagem inesquecível. Sobre os outros 16 dias contarei em outras crônicas.
Como todos os jovens hoje, meu filho juntou dinheiro, vendeu o que tinha e foi estudar em Londres. Antes de embarcar, combinamos que eu iria encontrá-lo depois que ele fizesse o mochilão.
Passado muitos meses, já no final da aventura pela Europa, ele entra no Skype e me pergunta "E aí, mã, quando você vem? Com o coração em frangalhos, digo "Não vai dar, está faltando o principal." Ele se aborrece e como sempre não demonstra o mínimo de emoção. Só deixa escapar baixinho "Que pena!"
Passados três dias, recebo um e-mail com as seguintes palavras (ele não é prolixo que nem a mãe) "Avise seus clientes, arrume suas malas. Veja abaixo." Era uma passagem de ida e volta para a Itália. Não precisa nem dizer que o dilúvio aconteceu. Chorei convulsivamente por horas.
Contei os meses, dias e horas para o embarque. Não consegui dormir na noite anterior e iria embarcar só às 23h. Tomei dois comprimidos de Frontal (coisinha leve) ao entrar naquele instrumento horroroso dotado de asas. Nem assim peguei no sono. A ansiedade por ver meu filho era tanta que eu não conseguia me controlar. Durante o vôo, não aguentava mais assistir aos mesmos filmes, nem estava prestando a atenção mesmo e fiquei escutando meu MP4.
A aventura estava apenas começando. No desembarque levei mais de uma hora para conseguir tirar minha mala da esteira, cheguei a pensar que tinha ido por engano para o Afeganistão.
Depois do sufoco, já com o baú em mãos, vejo o lindinho me esperando. Eu escutando God Only Knows, surtei de novo. Abracei, beijei, chorei e ele pagou o maior orangotango do mundo em terras estrangeiras.
Depois de 12 horas de vôo, 1 hora de espera para recuperar a mala, isso sem falar que cheguei com 3 horas de antecedência no aeroporto do Brasil, mais de 16 horas sem fumar. Já estava esquartejando alguém por uma baforadinha.
Pegamos o trêm, os dois mortos de cansaço e eu tentando falar, mas enrolando a língua. Acabamos pegando no sono com o sacolejar do trem, lembrei de minha mãe me ninando.
Uma hora e meia depois eu olho para os lados e estranho um pouco a paisagem "Filho, eu pensei que Roma era uma cidade mais urbana, não imaginava que as cabras pastassem no meio desta metrópole." Ele dá um salto de perereca, esfrega os olhos e grita "Pegamos o trem errado!" Descemos no fim do mundo e não conseguíamos encontrar o outro trem, o que deveria estar vindo para o outro lado. Para variar um pouco, choramos de rir e embarcamos depois de longo e tenebroso inverno, no sentido literal da palavra, no trem certo.
Descemos na estação Termini, próximo ao Coliseu e à rua do albergue, isso mesmo, em Roma fiquei num albergue da juventude. Parei na esquina, em um café supercharmoso e arranhei meu italiano "Um cafe piccolo e um cafe latte, per favore." Quando chegou o café pequeno, fiquei observando o líquido preto e fumegando, sem entender nadinha.Veio uma unha de café e preto, mais tão preto, que não dava para ingerir. Também não sou nenhuma barista, meu gosto não é sofisticado, prefiro café de coador a café expresso. É areia de mais para meu caminhãozinho.
Fomos para o albergue só para deixar as tralhas e bater pé pela cidade eterna. Ganhei minhas primeiras bolhas italianas, as primeiras de muitas. Às 22h, retornamos e me deparo com a cena mais surreal do mundo. Um búlgaro, um italiano, um americano, um francês, um argentino (isso dá que nem praga) saltitanto a "dança do quadrado" e cantando Saci no Seu Quadrado, Saci no Seu Quadrado. Eles nem imaginam o que é um Saci. Viajei 14 horas para ver isso. Jesus, me salve!
O gerente do Hostel vem fazer as honras como anfitrião. Sem saber quem eu era, como bom italiano que só pensa naquilo, virou para o meu filho e solta "Aí Felipe, hoje vai se dar bem" (e faz um gesto que não dá para mostrar aqui). Meu rebento envergonhado diz "Que é isso cara, ela é minha mãe!" O italiano começou a berrar para todo mundo "Vejam ela é a mama dele! Pode, a mama!" Das duas uma, ou estou poderosíssima ou o meu filho está matando cachorro a grito. Prefiro acreditar que é a primeira opção.
Fui dormir ao som de uma balada frenética, o frenesi rolava solto no corredor. O cansaço era tão gigantesco que dormi como um anjo de candura.
No dia seguinte, ganhei mais bolhas. Bolhas felizes! Andamos muito mesmo, conversamos até perder a voz e demos muita risada. Descobri que somos, mãe e filho, completamente ignorantes e desprovidos de cultura. Fomos ao Vaticano, afinal ir à Roma e não ver o Papa é pecado.
Na entrada, o meu filho percebe que um pigmeu foi cumprir promessa. Era um homem tão baixo, mas tão baixo, que por muito pouco não era anão. Rimos como hienas.
O perrengue começou na fila para entrar. A última coisa que existia era uma fila. Um amontoado de pessoas vindas de todas as partes do mundo, umas em cima das outras, mas tudo vale o passeio. Já dentro daquele deslumbre um segurança vem e tira o boné do meu filho. Ele se invocou, tudo bem, bola pra frente que atrás vem gente (novamente no sentido real da palavra). Resolvemos subir até a cúpula. Escada ou elevador? Tudo pela lei do menor esforço - elevador. Só que eu nao imaginaria que depois do elevador havia quilômetros de escadas, degraus intermináveis, corredores estreitíssimos. Me deu claustrofobia, passei mal e ao chegar no raio da cúpula, chovendo, eu nao tinha condição alguma de apreciar a vista da cidade.
Recuperada, continuamos a visitação, agora à Capela Sistina. Sentamos para poder curtir o teto (e descansar um pouco). Outro segurança chegou e fez com que picassemos a mula de lá.
Então tá. Vamos embora? Oba! Entramos no circuito da saída, uma verdadeira via sacra, e de repente escutamos um homem urrar "Conchita, Conchita." Ele pegava um pelo braço e falava "Conchita". Dava mais dois passos e pegava outro infeliz "Conchita"! Virei para o meu filho e
"Mas afinal, aonde se escondeu a Conchita?" O ser desesperado sumiu na multidão. O caminho parecia nao ter mais fim. Corredores e corredores intermináveis. Quando chegamos, depois de muito camelar até a saída, percebo que não vimos o Apartamenti dos Borgia. De jeito nenhum eu iria embora. Começamos tudo de novo, só que desta vez na versão turbo, procurando alucinadamente pelo tal apartamenti. Passamos pela Capela Sistina novamente, agora como se estivessemos na 25 de março, quase correndo e sem sequer olhar para cima. Isso é o cúmulo da falta de noção. Depois de percorrer a via crucis para achar o tal do Apartamenti e não encontrar queriamos fugir dali. Voltamos pelo mesmo tortuoso e longo caminho rumo a saída e nos demos conta que aquela criatura insana que gritava "Conchita", na verdade suplicava para saber aonde era a Uscita (saída em italiano!). Estava explicado. Também queriamos gritar para encontrar a uscita o mais rápido possível.
No dia seguinte fomos conhecer a Fontana di Trevi. Amei, tirei fotos, joguei quilos de moedas para que todos os meus sonhos se realizassem e para voltar para Roma muitas e muitas vezes. As fotos foram apagadas por engano pelo meu rebento e eu o fiz me levar lá de novo. Sem foto na Fontana di Trevi eu não fico.
Voltamos, tiramos as fotos, joguei mais moedas. Tinham duas noivas casando. Fomos para a Piazza da Espanha, Coliseu e pegamos o metrô errado, só para variar. Caimos novamente na Fontana di Trevi. Eu continuei achando lindo, meu filho já não suportava aquela queda d'agua. Fomos ao Coliseu, passeamos pela Via del Corso e o que aconteceu? Pegamos o metrô errado. Aonde paramos? Na Fontana Di Trevi.
Assisti a uma missa em italiano e entendi relativamente bem, só a decoreba, porque o sentido mesmo eu nunca compreendi nem em português. O que vem a ser Hosana nas Alturas?
Mas eu nem imaginava o que ainda iria acontecer.
Embarcamos para Florença. Começou um novo episódio.


Ancora di più!

Marot Gandolfi

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