quinta-feira, 28 de abril de 2011

No melhor do sono


Quinze dias com a vela na mão, febre todos os dias, conjuntivite e dor em cada um dos ossos. Descobri que temos 206, agora entendi o porquê de tanta dor. Os 206 se fizeram presentes, deram literalmente sinal de vida ou de morte.
Descobri que não era dengue, mas uma infecção. Uma mera e inocente infecção que me derrubou.
Tive minha primeira noite sem febre. Resolvi, ao contrário da rotina, agir como uma pessoa sensata. Comecei a ingerir alimentos mais saudáveis, parei de tomar 523 remédios, sosseguei o facho e bati menos perna e fui dormir mais cedo. Às 22h, atirei meu corpo na cama, debaixo de uma mantinha bem quentinha, abraçando a Mafego (o bicho de estimação inanimado da minha filha).
Eu já havia entrado na fase REM do sono quando os olhos movem-se rapidamente e acontecem os sonhos. Os músculos relaxam-se completamente e aumentam as frequências cardíaca e respiratória. Tudo corria as mil maravilhas até que ele aparece. Sorrateiro. O pernilongo.
Encolhida como um filhote recém-nascido, sem mexer um milímetro para não sentir o frio do lençol roçando meu rosto, o infeliz chega desaforadamente.
Como uma criatura tão minúscula e que fica cada vez mais minúscula à medida que vou envelhecendo pode ter um fôlego tão grande? Que tamanho tem o pulmão deste ser?
Ele fez que fez que não teve outra saída. Levantei. Fui para a cozinha, tomei um leite morno e devorei um pedaço delicioso de bolo de nozes para aumentar minha culpa e afogar minha ira com o pequeno inseto. Voltei ao quarto, na ponta dos pés, em absoluto silêncio. Deito, me cubro. Cinco segundos depois o ordinário volta, zumbindo que nem um louco da aldeia.
Olho para o relógio. 2h38. Evitei ver antes o horário na esperança de não ser tão tarde. Vá que sejam 5h, quanto me resta de sono? É uma simples questão psicológica e não matemática. Adoro dormir. Detesto acordar.
Desta vez extermino o desgraçado. Acendo a luz, olho para um lado e para o outro. Pego o abajur e foco no teto, em cada canto. Subo na cama, quase caio estatelada. Nada. Determinada a colocar um fim neste martírio, decidi ele ou eu. Ele ganhou. Não consigo nem enxergar o travesseiro. Volto a deitar na esperança do meu companheiro ter batido asas para outras bandas. Que nada, lá estava ele, firme e forte. Fingi não notar sua presença. Ele aumentou os decibéis do seu zumbido irritante. Uma luta inglória.
Tentei pensar em outras coisas, nestas horas surgem ideias fantásticas. Não conseguia. Decidi não contar carneirinhos, mas lembrar da lista de chamada das minhas classes no ginásio e colegial. Foi bem produtivo. Recordei de quase 80% do povo. Isso não é memória de elefante, é pânico de chegar perto do alemão, o Alzheimer. Não lembro nem o que almocei hoje.
Este ser tão inofensivo mexe com meus brios e instiga meu lado Jack, o estripador. Sonho em colocá-lo num microscópio de alta tecnologia, ampliar sua imagem e esticar suas perninhas e asinhas lentamente. Antes ele escutará 24 horas seguidas com o melhor do Funk.
Cá estou às 3h04 terminando está crônica e contando quantos minutos ainda tenho para dormir. Às 7h30 o despertador vai me arrancar da cama.
Como tudo tem o lado bom na vida, depende do ângulo que a gente vê, este ser sacana até que contribuiu para alguma coisa – voltei a escrever depois de 10 dias.


Marot Gandolfi

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