segunda-feira, 4 de abril de 2011

Convite de grego


Para certas ocasiões somente os inimigos deveriam ser convidados. Na falta deles, vale a pena até conquistar alguns. Mas não, fazemos questão de contar com a presença dos avós, tios, padrinhos, amigos íntimos em grandes e torturantes eventos dos nossos filhos.
Batizado, campeonato de natação, apresentação de balé, peça de teatro, formatura. Vamos falar a real, tirando os pais é uma sacanagem da pior espécie para quem tem marcar presença.
Quando o padre está empolgado, a cerimônia do batismo transforma-se no pior pagamento de promessa. Se fala baixinho e pausadamente é mais eficiente que um Dormonid ou Lexotan na veia. Muitos chegam a babar no banco da igreja. A sonolência só é interrompida pelo senta e levanta no mais gostoso da fase três da naninha.
Apresentação de balé. A mãe fica embasbacada com a filha saltitante. Sua total falta de coordenação motora não é percebida pelo pai. Para não fugir ao costume, minha filha se apresentou no final do ano em uma academia. Aos 4 anos, a criatura anã mais parecia uma mini drag queen de tão maquiada. Para alegria geral da nação, sua turma era a última a entrar no palco. Meu pai e meu sogro foram prestigiar. Lá pelas tantas, ouço um barulho estranho, ofegante. Olho para o lado, meu sogro está dormindo a sono solto e roncando em alto e bom som. Viro para o outro lado e me deparo com meu próprio pai com a cabeça apoiada no ombro de um senhor que estava sentado ao seu lado, também dormindo.
Existe algo mais desesperador do que assistir uma peça de teatro infantil? Poucas coisas implicam num sacrifício tão torturante na vida. Aos 12 anos estudava num colégio de freira só para meninas e decidimos encenar uma peça sobre a Cleópatra. Durante o ano inteiro fiz a maior propaganda sobre o projeto em casa. Exigi que todos fossem assistir. Na véspera da apresentação, a garota que fazia o papel do Marco Antonio desistiu. Sábia criatura. Adivinhe quem a substituiu? A própria que escreve. Sem saber nem a fala, aceitei a incumbência.
Chega o dia da estreia. Na plateia, minha irmã, minha mãe, meu pai e o melhor amigo dele. Melhor amigo até aquela data. Meu pai era o único pai no teatro. Abrem-se as cortinas e tem início o show de horrores. A peça era tão sofrível que a toga do Marco Antonio era um lençol amarrado num dos ombros e no outro aparecia a alça do soutien. Surreal. Eu olhava meu pai escorregando na cadeira, sem posição. E o amigo dele então? Um engenheiro e diretor geral de uma empresa que matou a manhã inteira no trabalho para assistir aquele drama com D maiúsculo. Meu pai nunca me perdoou.
Minha formatura foi inesquecível não pela conquista do Bacharelado, mas pela cerimônia absurda da colação de grau. Como era de se esperar, meus pais estavam presentes, afinal investiram consideravelmente suas reservas em minha formação. Janeiro, auditório Elis Regina, Anhembi, um verão infernal e o ar condicionado pifado. Não lembro quais os elementos participavam da comissão de formatura, certamente não eram sumidades. Para que optar pela beca, coisa mais cafona, brega, demodê, carne de vaca? Vamos mudar o esquema. Somos da área de comunicações. Vamos dar asas a nossa imaginação. Escolheram um smoking tanto para os homens, quanto para as mulheres. Parecíamos bonecos de cera conforme derretíamos com o calor senegalesco. Fiz escova e caprichei na maquiagem. No fim da longa e interminável chamada para entrega dos canudos, meu estado geral e minhas feições eram a de um folião baiano que seguiu o bloco da Ivete Sangalo de sexta até quarta-feira de cinzas.
A agonia tomou proporções gigantescas ao descobrir que juntaram a turma do jornalismo com a de publicidade. Mais de 400 formandos e o meu nome começa com a letra M. Do palco eu olhava para o casal de progenitores orgulhosos na primeira fileira. Os formandos estavam alucinados. Até hoje não sei se pela alegria em entrarem no mercado de trabalho, se por se livrarem das aulas de estatística, sim em Jornalismo há aula de estatística, ou se pela quantidade de bebida alcoólica ingerida. Em plena cerimônia, os agora jornalistas e publicitários sorviam cerveja, vodca, maria-mole e bombeirinho, sob o olhar escandalizado de todos os convidados. Sem falar do povo na cochia puxando um fuminho de leve.
Eu que quero tanto ser avó ao me lembrar destes momentos de massacre, penso duas vezes. Ninguém merece passar por isso. Exceto aqueles que colaram chiclete na cruz ou não comeram verdura quando crianças. Eu até prefiro brócolis a goma de mascar.


Marot Gandolfi

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